Ao meu amigo FÉLIX MAMBUCHO!
1. A RETENÇÃO DA MEMÓRIA E OUTROS QUESTIONAMENTOS
A primeira vez que o usei o termo DESCONTINUAR O TEMPO, foi na Feira do Livro de Maputo sob a moderação de Cremildo BAHULE. A curadoria estava aos cuidados do Amosse MUCAVELE. Foi intenso. AQUI, pela primeira vez, apresentei a ideia - DESCONTINUAR O TEMPO como processo consciente de reler as narrativas que fundaram o nosso espaço geográfico como Nação. Um outro ponto: fazer uma reconciliação do homem com a sua história. Isto equivale a dizer o seguinte: é um acto urgente fazer um tributo de reconstrução histórica a partir do lençol colectivo que atravessa o Sul. Centro. Norte. Excessos para implantar o Projecto de Nação foram tantos. E há nisso, feridas que ainda sagram. Mortes por sossegar as almas e portas ainda por escalar licenças para chegar aos feridos. Um autêntico acto por fazê-lo a partir da METÁFORA DE SÍSIFO. Precisa-se, sobretudo, de uma coragem de aceitar terem existido excessos e exclusões de outros rostos na edificação do NOSSO EDIFÍCIO como NAÇÃO. Essa dor, é quase igual ou, senão, na totalidade, descrita no UM GRÃO DE TRIGO de NGUGI WA THIONG'O para quem, a ressentimento é tão dolorosa para os camponeses que combateram os ingleses para depois, olharem seus ideias se esfumando. E no nosso MOÇAMBIQUE PROFUNDO, há disso.
1.1. A IDEIA DE MOÇAMBIQUE PROFUNDO BUSCADA A PARTIR DO RETORNO.Por quase 10 Edições, na Galeria do Porto, fiz a Curadoria e Direcção do LETRAS AO VINHO. A pretensão era buscar uma resposta sobre a possibilidade ou não de uma ESCOLA MOÇAMBICANA DE PENSAMENTO. Existindo, quais é que seriam as suas linhas de exercício cognitivo. Confesso: foi das coisas mais gratificantes que fiz. Juntei, uma vez ao mês, um nome. O critério - foi pela ordem etária: encontrar o raciocínio do fundamento a partir da geração que recebeu o país depois da colonização. Que reparos fazer hoje? Severino NGOENHA. José CASTIANO. Francisco NOA. Sara JONAS. Filimone MEIGOS. Stela MUIANGA. Lourenço DE ROSÁRIO. Cada um, no seu tempo - pensou a NAÇÃO e a POSSIBILIDADE DE UMA ESCOLA MOÇAMBICANA. Isto é parte dos meus retalhos para pensar a necessidade de um acto corajoso de descontinuar o nosso tempo. A pergunta seria: qual tempo? E eu responderia: o que nos foi ensinado a partir de uma corva propositada de erros. E é por meio destes encontros que peço de empréstimo a Professor Lourenço DE ROSÁRIO o termo MOÇAMBIQUE PROFUNDO.
1.2. DESCONTINUAR PARA RECONCILIAR NO MOÇAMBIQUE PROFUNDOPoderíamos perguntar: o que é MOÇAMBIQUE PROFUNDO? Parafraseando o autor do termo, seria: o lugar de todos sem contaminação e sem vícios para - em conjunto, pensarmo-nos a nós mesmos para nós. Indicando alguns excessos, entregou a mão-à-palmatório. Afinal, havia na plateia - um interlocutor que fez parte das conturbadas tentativas de pensar a CASA-COMUM: Carlos PARADONA. E a pergunta foi sobre o LICEU e as ESCOLAS TÉCNICAS. Qual era o critério para a selecção de um e do outro. E o problema dos dualismos ASSIMILADO & INDÍGENA parecia que se tivesse alastrado para o PÓS-INDEPENDÊNCIA. E lendo MONDLANE, de LUTAR POR MOÇAMBIQUE, compreenderemos esta bifurcação que muito fez para a formação das nossas primeiras elites e, consequentemente, como o PROBLEMA DO DUPLO na construção do Homem moçambicano, ditou e, continua ditando, salvo algumas honrosas excepções das nossas lideranças - o rumo de quem somos. Ontem, Professor Filimone MEIGOS, levantou-se para criticar algo como isso: a incapacidade de pensar a cultura como reduto necessária para construir o país. E, que país se fez sem descer às suas raízes? Quando digo raízes, digo cultura e o seu complexo substrato de significação e construção. Aliás, certamente, perguntaram: de cultura? Os tempos são outros? Esse tipo de perguntas é de uma clara tipificação daquilo que continuo chamando de PATÉTICA FALTA DE CONHECIMENTO. Arrogância, NÃO. Apenas lamentar o desprimor sobre o muito de nós que morre um pouco mais a cada dia. E quanto mais saímos para CANTAR VIVAS A IDEOLOGIA OCIDENTAL, mais bonitos ficamos ao olhos de quem pensa que somos atrasados. Por isso, precisamos de uma nova forma de nos auto-renegar. Como? Criando incentivos do dinheiro. Trazem dólares e euros em forma de projectos. Famintos que somos - corremos para prestar vassalagem. Isto é ridículo.
1.3. RE-CAFREALIZAÇÃO DA NOSSA HISTÓRIAMeu amigo Félix MAMBUCHO deve conhecer muito bem Alioune DIOP. Ele fundou, na década 40, na França, uma mítica Revista: PRÉSENCE AFRICAINE. E qual era o propósito: dar voz as lutas dos negros e a sua intelectualidade negra. Césaire Senghor, faziam também parte. Mas - é na década 50 que muito interessante: a chamada GERAÇÃO 56 que teve seu nascimento na Présence Africaine. Eles fizeram uma coisa não só de grande, mas de filhos preocupados pela herança do seu continente. Afinal, eles acreditavam que antes de serem parte de um recorte pensado em 1884, faziam parte de uma ÁFRICA como configurador da totalidade. KI-ZERBO, ANTA DIOP, A. I. AKINJOGBIN, ABDOULAYE LY, BETHWELL OGOT e tantos, fizeram um caminho de regresso à casa para conversar com os seus mais velhos e, a partir disso - pensar-se como NAÇÃO & como SUJEITO. Na mesma formulação pensada por Professor Lourenço DE ROSÁRIO. É um erro pedir que façamos isso em nome dos nossos filhos? NÃO! Lendo MICHEL LABAN, no trabalho que fez em Moçambique com os escritores, percebe-se como MAGAIA e outros prestavam reverência ao culto pela cultura. O mesmo se diz do CHONGO, o nosso dramaturgo-mor. E quando questiono a legitimidade dos discursos da Énia Wa Ka Lipanga, faço-o nas mesmas preocupações colocadas nestas questões: é mesmo legítima a luta? Devo ir de sala em sala; casa em casa e dizer: de hoje em diante - um rapaz pode entregar seu ÂNUS a um outro rapaz. Isso é um direito sexual assistido pela lei. Qual lei. A nossa? Ou a que é imposta no compadrinho do dólar. Dizer que a minha filha e a tua podem se relacionar. Isto é assistido pela lei. Novamente: QUAL LEI? A NOSSA? E aqui entra o grande problema. O que se assiste não é salvaguardar um certo direito da minoria. É promover esta minoria. É dizer aos meus filhos que relacionarem-se com pessoa do mesmo sexo é bom. E NÃO DEVE SER ISSO. Impõe-se, sobre nós, uma visão do mundo que não se ajusta a nossa visão. Se todos estamos em igualdade de circunstância e representatividade, por que a minha visão não deve também ser imposta nos lugares de origem destes valores que nos são impostos? ACHO QUE NÃO ENTENDEM! Se para nós, POLIGAMIA e os RITOS DE INICIAÇÃO, por exemplo, configuram nosso acto existencial, e HOMOSSEXUALIDADE é para eles um acto existencial, porque combater os meus valores como nocivos e de carácter primitivo para acomodar o deles? PROGRESSISTAS, NÃO. Não nada disso. É democracia? Ou um imperialismo axiológico? É por igualdade de circunstância ou um acto de castrar o outro. Num tempo bem recente, não nos era permitido entrar no quarto dos nossos pais sem permissão, mas hoje - em nome de uma MODERNIDADE fragmentária, os nossos filhos chutam a porta sem pedir licença. Mas isso, só os que neles ainda mora a retenção de alguns valores da nossa Escola Tradicional, sabem o significado. E DIAKHATE, parece ter aqui razão. Nunca houve nada de aculturação, no sentido de troca de paridades; ida e volta, ambos, como proponentes civilizacionais: africano e europeu, mas - como ele diz, desculturação, um fenómeno de depredação, inutilização e destruição. E é isto que meu amigo Félix MAMBUCHO não consegue entender. Para ele e seu grupo, se lêem, então SONEGAM este tipo de conhecimento. Se não, eles fazem parte da categoria do IGNORANTE INSTRUIDO. Aquele que se rebela desassombradamente do seu fenótipo e da sua mitose para se integrar no outro, um outro que hoje usa outras formas de dominação. Talvez, partilhando aqui o projecto de Declaração, apresentado na Comissão dos Direitos da ONU, em 1947, ele compreenda a gravidade das agendas que teima em defender. Graças a esse projecto, MARCEL GRIAULE, provou, por meio de um estudo feito, primeiro, na Etiópia e, depois, no Mali, a partir da etnia DOGON, durante 15 anos de observação, que as teses que fundamentam a ideia da mentalidade primitiva de LÉVY-BRUHL e das concepções de TEMPLES, contidas no LA PHILOSOPHIE BANTOUE, são falsas. Pela fidelidade do raciocínio, GRIAULE diz: a cosmologia, a metafísica e a religião dos Dogon estão a nível semelhante ao dos povos da antiguidade. [No entanto], o fracasso de inúmeros trabalhos antropológicos feitos em África resultava da falta de conhecimento científico das culturas africanas, da posição etnocêntrica dos Antropólogos e da sua falsa visão da mentalidade desses povos. E agora? Quem são eles para nos ensinar a falar de DIGNIDADE HUMANA? Será que ontem? E não é sobre Traoré ser mais africano que os outros. É sobre ele pensar a sua casa a partir do seu ETHOS. Isto é: a partir de seus valores. E não, a partir dos valores daquele que se acha melhor que nós. Certamente, deves ter ouvido muito falar Henry ODERA ORUKA, principalmente, da sua SAGACIDADE FILOSÓFICA, como um processo de travessia da SAGACIDADE POPULAR. Continuo pensando que meu amigo e companhia não entende o que aqui pretendo dizer, mas enfim: a sabedoria popular, o nosso humus-colectivo, é a matéria necessária que assegura nossa navegação e protagonismo para o mundo. E é disso que precisamos para não continuarmos na maré da insignificância a que os outros acreditam merecermos estar.
2. O FIGURANTE E OS TIPOS SOCIAIS: UMA RELEITURA CRÍTICA PARA UMA SOCIEDADE EM VIAS DE DESENVOLVIMENTO
Os finais do Século XIX e princípios do Século XX, na Europa, dá-se o surgimento das Vanguardas. E em dois pontos diríamos: [1]. Negar a arte como uma construção mimética. [2]. Questionar os excessos da burguesia. A partir daqui, o esboço sobre o ridículo nascia. Lendo A DESUMANIZAÇÃO DA ARTE, de ORTEGA Y GASSET, se pode aprofundar isto. Porém, o que mais me alegra é pensar a nossa circunstância a partir do esboço teórico apresentado por FERREIRA GULLAR. Há uma interessante obra sua: VANGUARDA E SUBDESENVOLVIMENTO. E porque chamo GULLAR para esta conversa? Por um simples tracto que apresenta sobre as Vanguardas num contexto do Brasil. Que importância isso tem para uma sociedade em SUBDESENVOLVIMENTO? A mesma preocupação coloco: que importância tem para nós discutirmos uma agenda sobre HOMOSSEXUALIDADE, CISGÉNERO, LGBTQUIA+ em detrimento de outras?
2.1. AS COMPLEXIDADES DO NOSSO TEMPO: O CAMBALEAR DOS APETITESE é praticamente isso. E meu amigo Félix MAMBUCHO, olhando para o que ele traz para o debate, vejo muito pouco dos problemas que apresento nos dois textos já publicados. Sem muitos esforços, descobre-se: ele está coaptado. Lembro, agora, de uma passagem que Marcien TOWA, no seu A IDEIA DE UMA FILOSOFIA NEGRO-AFRICANA, disse: pessoas como Félix MAMBUCHO e sua companhia, no domínio do pensamento como no da conduta, ele se submete sempre, por admiração, por amor, ou na maioria das vezes, por medo, a uma autoridade externa. Qual medo senão o de ele perder mais um financiamento para viajar pelo país inteiro promovendo valores do outro. E que valores são esses? [1]. Que homem e mulher são iguais. Aliás, que a mulher pode, por inerência biológica ser igual ao homem. [2]. Que num lar, os papéis são meros tratados sociais e nada mais do que isso. Por isso, cada um, pode ser o que quer. PURA VAIDADE de um ser coaptado. De quem presta vassalagem a uma certa cartilha, unicamente, porque, falando bem dela, o patrão pagará suas contas. Esse é o meu amigo. E sobre o que ele trabalha mais? Com fundos dos doadores para difundir a agenda de um imperialismo axiológico opressor. Um dia, fui ver, no PROJECTO UTOPIA, um exercício financiado por GULBENKIAN para promover CISGÉNERO, HOMOSSEXUALIDADE & LGBTQUIA+. Qual foi minha estupefacção: a adaptação do conto da LÍLIA MOMPLÉ. E a pergunta que fica é: quem foi o homem que violou SUHURA? E os nossos encontros afloram os ânimos até a noite dentro. Um outro dia, em minha casa - estávamos, entre vários assuntos, falando da igualdade entre homem e mulher dentro do lar. E eu disse: eu sou homem na minha casa. E minha esposa é mulher. E nunca os nossos papéis vão ser permutados. Cada um ocupa o seu lugar. Estou curioso em saber como ele se define em sua casa em nome DOS HOSSANAS OCIDENTAIS. Talvez, isso faça parte de um outro capítulo. Porque homem pode ser mulher. E mulher pode ser homem. Como dizem Paulo FLORES & Yuri DA CUNHA, em NJILA IA DIKANGA, hoje, marido pode ser mulher. E porque Paulina CHIZIANE? Simples: por ser conciliadora dos malefícios coloniais e os traumas da usurpação antropológica. Não a busco por questões de estatística, mas por questões de um problema maior: recusar o silêncio da morte da nossa cultura. Rebelar-se aos consensos coloniais e interpelar cada vez mais aos que acreditam na substituição cega de NÓS sob o domínio imperialista dos valores. Fazer o caminho consciente de regresso a casa. Carlos PARADONA, como tantos, também faz o mesmo exercício de retorno. Com um pouco de esforço, chegamos ao lugar... Contraditória? A Paulina? Quem o diz? Gostaria de ler esse estudo!
2.2. O PROBLEMA DO MEU TEMPOÉ o que me faz aguentar e sobreviver as tonturas da caminhada.
Como dizes, meu bom amigo FÉLIX MAMBUCHO: é bom conversar. E é conversando que a gente se entende.
Dionísio BAHULE