Nos últimos dias, o país tem vivido o que se assemelha a uma peça teatral macabra, que mancha não apenas nossa imagem interna, mas também nossa dignidade perante a diáspora. Há pouco chorávamos as baixas infligidas pelo terrorismo em Cabo Delgado; agora, assistimos a nós mesmos nos digladiando, como se fôssemos feras guiadas pela irracionalidade. Não é que ignoremos o absurdo desse cenário, mas a fome e o desespero são forças que silenciam a razão.
O mais lamentável é que os efeitos desses confrontos têm sido irreparáveis: em cada manifestação, pelo menos uma vida é sacrificada, como se não tivesse nenhum valor. Como chegamos a este ponto?
A verdade é que o povo quer apenas fazer ouvir as suas inquietações e saber o que seus líderes têm a dizer sobre elas. Queremos respostas, mais do que justificativas. Desejamos compreender por que estamos a definhar enquanto nossos governantes prosperam como se habitassem uma realidade paralela. Sabemos que há desigualdades — sempre soubemos. Não estamos exigindo o impossível. Queremos que vocês reconheçam que abaixo de suas mesas há gente que sente, sonha e precisa tanto quanto vocês. Será mesmo pedir demais?
Nossa união deveria ser motivada por objectivos comuns, como a busca de soluções para Cabo Delgado. No entanto, o que temos visto são governantes respondendo à indignação popular com balas. E isso nos leva a uma pergunta central: qual é a mensagem que se pretende enviar com essa violência? Democracia é, ou deveria ser, o diálogo — um diálogo que tantos antes de nós lutaram para instaurar. Manifestações pacíficas são um direito constitucional inegável, mas como podemos nos sentir seguros exercendo-o se o preço a pagar tem sido vidas humanas? Disparar balas — falsas ou não — é uma declaração de desprezo pela dignidade humana. E as feridas deixadas por essa realidade, sejam físicas ou emocionais, são sempre genuínas e permanentes.
Não sou contra o regime, tampouco a favor. Minha preocupação está acima de lados ou rótulos. Quero um Moçambique onde a vida do cidadão comum não seja uma moeda de troca descartável. Chega de vermos números estarrecedores nos noticiários — 100 vidas perdidas, 200 casas incendiadas. Não há justificativa, tampouco lógica, para a normalização dessas tragédias. Pergunto: como você reagiria se dois de seus filhos e uma prima estivessem entre essas estatísticas? Certamente sentiria a dor insuportável que hoje muitos carregam no silêncio das lágrimas.
Precisamos, antes de tudo, restaurar o diálogo e semear o amor. O sangue que hoje mancha nossas ruas e clama por justiça não deveria existir. Não podemos clamar por chuva enquanto plantamos sementes de ódio, rancor e desamor. Quando isso tudo passar — e um dia passará — o que restará de nós? Uma terra em ruínas? Corações empedernidos pela amargura? Enquanto ficamos travados em ciclos de violência e destruição, o mundo avança.
E digo isso sem me preocupar com quem ocupa o poder, desde que a vontade do povo seja respeitada. Não faço deste texto um ataque ou uma defesa; faço um apelo pela vida, pela dignidade e pelo futuro. Unidos, podemos construir um Moçambique melhor, um país digno de ser legado aos nossos filhos, aos filhos deles e às gerações que nos sucederem.
Construir um país sobre bases frágeis é tolice, e sabemos disso. Já atravessamos uma guerra civil que arrasou lares e vidas. E foi pelo diálogo, pelo perdão mútuo e pela coragem que conseguimos virar aquela página. Eu não vivi aquele tempo, mas só de ouvir e ler sobre os acordos de paz alcançados, sinto orgulho em me identificar como moçambicano.
Hoje, nossas escolhas novamente definirão nosso destino. Permaneço inquieto com a pergunta: até quando aceitaremos que famílias percam entes queridos por reivindicarem seus direitos? Até onde iremos nesse caminho? Ainda mais, será que uma verdadeira democracia pode existir sem oposição?
Somos um só povo. E como povo, devemos lembrar que nossas ações e palavras moldam a nação que estamos entregando aos nossos filhos. Não estou contra nem a favor de nenhum partido político; estou ao lado do que promove o bem comum, o respeito à vida e o fim das mortes desnecessárias. Essa é a verdadeira essência de um país que sonha com um futuro melhor.

Raizel Maraige
Raizel Maraige é o pseudónimo literário de Issufo Costa Manuel Maraige, natural da Beira. Um jovem apaixonado pela literatura e pela expressão artística por meio da palavra escrita. Sua produção literária busca ressoar com as realidades e os sonhos do povo moçambicano, com o objetivo de enriquecer e valorizar a literatura do país.