Parte 1.
“Espera um minuto, irmão.Não senta aí e diga que a maioria dos homens negros está fazendo a coisa certa. Se existisse, 60% das famílias negras não seriam lideradas por mulheres. E, portanto, nossas comunidades não estariam como estão.
Nossos meninos não seriam gays. Não estariam andando nas ruas, ok? E eles teriam actividades de lazer construtivas, irmão. Não senta aí para mentir na televisão e para toda a comunidade negra.
Você está a se prostituir, irmão!”
Estas foram as palavras atiradas ao ar por um espectador da plateia, enquanto decorria o debate entre duas figuras: prof. Richard Majors, psicólogo e autor do livro Cool Pose (Os dilemas da masculinidade negra dos E.U.A) e a escritora Shahrazad Ali.
Naquele preciso episódio, o programa Donahoe Show, promovia o debate sobre os conteúdos de um dos livros mais controversos (da década de 90) para a comunidade negro norte-americana: O guião do homem negro em compreender a mulher negra.
De facto, uma razão motivou a senhora Shahrazad Ali para escrever o livro: a ausência do homem (afro-americano) na família e a neutralidade da mulher em ser submissa ao homem*.
*Ouso-me a escrever submissão porque o real sentido dessa palavra, segundo o contexto, não é o de servidão. A verdade é que, este foi um dos termos mais distorcidos para justificar o abuso e opressão.
Quando temos uma cooperação voluntária, movida por respeito e confiança, o termo submissão entra para descrever esta condição em que a mulher de encontra em relação ao homem.
As palavras cuspidas pelo senhor em direcção ao prof. Majors era uma forma de protesto, porque, na visão do professor o homem negro estava a se dar bem, em todas as esferas da vida. Contudo, o homem na plateia contestava a realidade dos factos.
Passados 32 anos, os argumentos e fortes sentimentos partilhados por uma parte da plateia que não concordava com o livro e a outra que vislumbrava o livro como sendo uma possível solução para os dilemas que se vivia naquela década:
1. A rápida destituição da família negraNos Estados Unidos os índices de divórcio foram tão altos entre os casais negros que cerca de 59% das crianças viviam apenas com um dos pais (sendo que a maioria vivia com a mãe solteira ou viúva)
1.1 Esta destituição da família negra iniciou nos meados da década de 50, onde cerca de 75% da população negra era casada e viviam na mesma casa, caindo esta percentagem para 23% na década de 90. (Besharov, West)
2. O número de homens negros que eram presos nas prisões federais e estaduais aumentou dr 39% para 53% (entre as décadas 70 e 90. Até 1997, os negros constituíam 49.2% da população prisional e os brancos 48.3%. (Human Right Watch)
Com isto, dá para perceber a realidade que o homem negro-americano vivia naquela década.
Este fenómeno deve-se a dubiedade que muitas famílias negras encaravam nestes cenários: fragilidade sistemática e estrutural (demografia, sócio-económico, histórico) do mesmo modo elevados índices de racismo, opressão, desemprego e impotência.
Quanto à sociedade africana, curiosamente observava-se (na mesma década) uma similaridade nos fenómenos:
1. Alto índice de desemprego na década de 90. Embora se verificasse um aumento da força de trabalho, existia um enorme índice dos níveis de analfabetismo, o que condicionava na alocação da maioria das pessoas nos trabalhos do sector formal. E isto foi como uma força motriz para o "surgimento" de trabalhos no sector informal.
Falando particularmente de Moçambique, na década de 90, 30% a 40% das famílias, dependia dos trabalhos no sector informal.
2. Aumentava também o número de homens presos.Uma notícia publicada pela New York Times em ano de 2005, apontava que 3/4 dos prisioneiros em Moçambique não tinham sido ainda julgados. A maioria destes prisioneiros era vítima de um sistema judicial corrupto e incompetente.
3. Foi difícil encontrar um dado exacto que apontasse os índices de divórcio, porque, na altura as sociedades da África subsaariana ainda tinham como modelo familiar a poligamia. Devo dizer que o elevado índice de divórcio em países africanos tem aumentado 30% nestes últimos anos.
Deve estar a questionar: Estes dados vêm a que propósito?
A verdade é que, com o aumento de ideais feministas na sociedade africana, cresce também o número de homens com fragilidade na saúde mental.
Há quem acredite que não existe relação alguma, mas na verdade existe.
O meu maior problema foi de tentar perceber o seguinte: se a camada mais frágil das é a mulheres, crianças e idosos, porque razão há números elevados de homens que morrem por crimes violentos, suicídios ou problemas mentais graves?
É inegável dizer que, nós mulheres, não dependemos do homem para nada. Podemos ser as provedoras e cuidadoras. Contudo, existe uma base científica que contradiz essa declaração.
O homem e a mulher NÃO são a mesma coisa. Isso é ditado pelos nossos hormônios.
Devemos muito ao homem, porque sem a sua participação não teríamos uma sociedade devidamente estruturada e funcional.
O que tem acontecido é uma morte silenciosa no lado do homem. Onde ele não consegue ver a relevância do seu papel como esposo e pai.
Passados 32 anos, a indignação reflectida na voz daquele espectador, reflecte a realidade na sua pior versão. O que acontece com o homem que perde o seu rumo na família? A criança fica afectada, a sociedade torna-se um embrulhado entre muitos outros trapos. Tudo se confunde.
O sistema colonial e o comércio trans-atlântico mudar completamente a dinâmica social que África tinha impondo normas ocidentais e contribuindo para a desigualdade social. Seria curioso dizer, as reformas feitas num ambiente em que respirava novos ares de liberdade recém-colonial não foram suficientes para emendar os danos causados pelos regimes, principalmente a nível do seio familiar. O que encaramos, ainda, é um alto índice do homem negro a enfrentar limitações sócio-económicas.
Enquanto uns e umas priorizam o feminismo concebido por mulheres brancas (que desde a época medieval eram consideradas apenas vassalas, ao contrário da mulher negra) com as suas motivações, outros procuram formas de perceber até que ponto o feminismo foi um factor de incentivo para o descaso que hoje se dá ao homem.
Maya Ângela