Eram dezassete e poucos minutos, talvez já à porta das dezoito. As largas avenidas eram suavemente banhadas pela luz, enquanto as calçadas se viam cheias de funcionários e biscateiros que, após um longo e exaustivo dia de trabalho, apresentavam-se como senhores do próprio ofício. Com passos curtos e nariz empinado, exibiam orgulhosamente as suas sacolas plásticas de supermercados chiques.
Curiosamente, naquela rua, não havia empregados: todos eram chefes, ou assim preferiam parecer. Mas, entre aqueles que se faziam passar por empregadores estavam alguns jovens de má índole. Esses viviam à custa do suor alheio e, com mãos ágeis, examinavam os compartimentos das bolsas e carteiras dos que talvez fossem chefes, ou só fingissem ser.
À medida que isso acontecia, eu e uma multidão já nos amontoávamos na paragem, envolvidos em uma intensa disputa por um lugar no transporte semi-colectivo, popularmente conhecido como chapa 100 — ou apenas chapa, como a maioria prefere chamar. Era um confronto de unhas e dentes, com o objectivo de garantir um assento naquele minúsculo espaço sobre rodas. E quem eram os meus adversários na batalha? Funcionários e biscateiros, como eu.
— Txopela, quanto custa daqui pra aí? — invocavam, aos berros, aqueles que, na hora do aperto, se exibiam e também disputavam desesperadamente por um espaço no chapa.
Após duas tentativas, consegui finalmente pegar um dos assentos de um chapa que, por sorte, estava quase vazio. Era o assento da frente, ao lado do motorista, caso queiram saber.
— Tira o carro, homem! — ordenou o cobrador, assim que os últimos assentos foram ocupados.
Sem pestanejar, o motorista pôs o motor a funcionar e tirou o carro com uma arriscada manobra que, admito, causava-me um medo imenso. Por um instante, pensei que as portas dos céus se abririam para mim naquela noite que começava.
Minutos depois, o cobrador, com a típica cautela de sua função, pontapeou:
— Estou a cobrar, família.
Prontamente, colocamo-nos à disposição para cumprir o ritual obrigatório: entregar ao cobrador o que lhe era de direito.
Enquanto eu pescava as moedas do bolso, algo intrigante prendeu o meu olhar aguçado: um desfile de notas de cem, duzentos e quinhentos meticais. Chefes exibindo-se? Talvez fossem os mesmos que, minutos antes, gritavam aos txopelas, discutiam preços e brigavam connosco na paragem pela chance de subir no chapa.
Depois de recolher diversas notas, o cobrador, já aborrecido, disparou:
— Não recebo mais dinheiro pegado. Já não tenho troco.
— E nós, que só temos dinheiro pegado, vamos pagar como?! — replicaram, em coro, alguns dos exibicionistas de notas.
— Vocês que sabem. Eu só quero o que é meu. — sentenciou o cobrador, de cara fechada.
Os protestos, inevitavelmente, começaram. Uns o xingavam, outros lamentavam a meia voz. Eu, por minha vez, era quase o único que não dizia nada. Apenas visualizava tudo, como se minha boca tivesse sido anestesiada.
Quando os ânimos finalmente se acalmaram, o cobrador voltou a exigir o que era seu. Aqueles que antes alegavam possuir apenas dinheiro pegado, viram-se obrigados a retirar do bolso o valor trocado que, com certeza, já estava lá, mas que fingiam não ter.
— Paragem a seguir, senhor motorista! — solicitei, com cortesia.
— OK. — deferiu o pedido.
Assim que o carro parou, desci sem pressa. No momento em que me afastava, ouvi o som metálico da moeda batendo no chapa e a voz rouca do cobrador arremessando outra ordem ao motorista:
— Vamos jogar rápido, homem!
Incitado pelo comando, o motorista retomou a viagem, devolvendo a mão na mudança e o pé no acelerador. Enquanto ele seguia pela estrada, eu ia calmamente para casa.
Conforme meus passos se alongavam, meu pensamento se perdia nas cenas que testemunhei: as disputas na paragem, as encenações no chapa, as máscaras que as pessoas usam para manter as aparências.
Foi aí que percebi que, nos dias que correm, muitos vivem distantes da própria realidade. Fingem ser o que não são, ou ostentam possuir o que, na verdade, não têm. Fingem tanto que, em certos momentos, se esquecem de como é viver algo genuíno. Ainda assim, há uma certeza que carrego comigo: todos, sem excepção, têm um pouco de fingimento e um pouco de autenticidade dentro de si.
E pronto, deixo-vos esta crónica, leve em sua forma, mas densa em suas intenções.

António da Cunha
António da Cunha é activista social e estudante finalista de Licenciatura em Ensino de Português na Universidade Licungo, na Beira. Apaixonado por escrever crónicas que fomentam a consciencialização social, seus textos demonstram um considerável envolvimento com o olhar crítico e a mudança da realidade que o rodeia.