Por regra, todos nós casamo-nos na expectativa de termos um casamento monogâmico e uma vida feliz.
Apesar de que, no tempo colonial, os homens assumiam várias mulheres ao mesmo tempo e a maior parte delas não os questionavam sobre a existência das outras, algumas até faziam acordos com eles para o alívio sexual e de outras actividades como os afazeres domésticos e da machamba, por exemplo.
Porém, sendo que a prática não era protegida por Lei, a vovó negava-se a isso, sonhava apenas com um casamento monogâmico e ponto final!
Casada com um camionista, e mãe de dois rapazes, ela seguia sua vida com alegria.
Apesar do seu espírito livre, era muito dedica ao lar, seguia à risca os conselhos que recebera antes de se casar... Cuidava dos filhos, do marido, da casa com muito zelo.
Toda a vez que o esposo tivesse que viajar, ela preparava o “mangungo” para garantir que ele não passasse fome pelo caminho. Ele viajava pela zona Sul, Inhambane a Maputo e vice-versa, onde fazia recolha e entrega de mercadoria.
Chá quentinho no termo metálico, açúcar, pão, tigela com farinha de mandioca, ou mandioca para matabicho; tigela com matapa; tigela com arroz para o almoço ou para quando fizesse uma pausa para descansar a caminho de Maputo. Arrumava tudo numa sacola dedicada para o fim.
Levava sempre as marmitas bem alinhadas, e programadas, dava para perceber a dedicação e rigor da velha na organização dos alimentos.
Não queria que o marido sofresse, nem que se sentisse forçado a comer comida mal confeccionada nas cantinas espalhadas pelo caminho.
Levava sempre farinha de mandioca, arroz e matapa, ou qualquer outro menu que fosse possível e viesse à cabeça da vovó. “Nhangana”, “mboa”, caril de amendoim, caril de côco com caranguejo, sei lá. “Makhofo” não, a vovó não gostava disso, dizia que lhe fazia gases, portanto, nada de couve lá em casa.
Sempre sobre a supervisão da vovó ele fazia os seus trabalho de ir e vir, não se podia perder ou desviar por ai, atrasar ou falhar no dia de volta sem uma desculpa plausível, o marido já saía de casa com a data de regresso garantida, sendo que não havia telefone.
A vóvó era ciumenta, chegava até a ir confirmar a informação sobre a volta do marido junto ao Português, o patrão do marido que já a conhecia... Em caso de atrasos... idem ia ao Português como era chamado. Quantas vezes fosse possível.
Roupa limpa, comeu, não comeu, quando comeu, como comeu o que comeu!
Apesar de independente, ela fazia o que podia para fazer da família uma família feliz.
Só que, como tudo na vida tem um limite, a vovó cansou-se da questão das tigelas, pois o marido trazia sempre as mesmas de volta para casa, porém vinham trocadas, ou apenas com as tampas trocadas. A menos, ou a mais, enfim, ele era criativo...
E a vovó que ouvia as pessoas sempre falarem mal dos camioneiros, eles tinham a fama de ter uma mulher em cada distrito.
Ela passou a fazer o serviço de organização de viagem, totalmente contrariada, na hora de organizar a tigelas..., dizia-se que ele deixava uma ali, levava outra ali, durante a ida, e à volta fazia as recolhas.
E daí ela concluía a razão pela qual as tigelas vinham trocadas talvez ele nem chegasse a comer a comida dela porque se não, qual seria a explicação? Não era apenas entrega e recolha de mercadorias caixotes sacos tambores, de volta, era igualmente uma gestão complicada de tigelas.
Aquilo representava um grande desrespeito para a vovó, uma afronta à fidelidade dela.
Tentou resolver o assunto de forma pacífica, civilizada, porém não teve sucesso, pois o marido só piorava. Chegava a voltar sem tigelas.
E como continuassem com o assunto das tigelas problemáticas, e a ter que ser ela a lavar as roupas sujas dele, a aturar os roncos e as más disposições, ela achava tudo isso muito injusto.
Começou por se zangar, deixou de lavar a roupa, deixou de organizar as refeições, até o dia em que pegou nos filhos e foi viver para Maputo com mãe. Ele que fosse dar trabalho a outra... Disse a minha avó cujo filho é o meu pai. Eh, eh…
Até hoje os maridos urbanos e sub-urbanos fazem trocas de tigelas, vivem com uma mulher, mas quase sempre perseguidos pela poligamia. Que chatice!

Sonita Castanha
Chamo-me Sónia Chagas, mas podem me chamar Sonita Castanha ou Chocolate que também responderei por eles. Sou formada em Ciências da Comunicação e a escolha do curso deveu-se ao gosto que tenho por comunicar. Aprender, ensinar, ler, escrever, criar. Sou activista social, activa nas redes sociais (Facebook), focada nos direitos humanos, igualdade de género e empoderamento da mulher.
Sou co-autora do livro de Eduardo White, “Vozes de sangue”. Com o conto “O Ritual de Águeda”, obtive o primeiro lugar no Concurso Literário Maria Odete de Jesus, organizado pela Universidade Politécnica, cujo prémio foi a edição do mesmo. Tenho uma crónica publicada no Jornal (colectânea) “Vozes de África 2020”, Projecto WAW e, recentemente, um conto publicado na antologia “Espíritos Quânticos”, sob pseudónimo de Chocolate.