O despertador não tocou. Nunca toca. Dona Paula acorda às 4h30 da manhã há quinze anos, movida por um relógio biológico que conhece o ritmo do tomate melhor que qualquer cronómetro. Na penumbra do seu quarto, no bairro da Maxaquene, a vendedora de 52 anos calça as chinelas gastas e prepara-se para mais um dia no mercado do Xipamanine.

O chapa das 5h15 está cheio como sempre. Encostada à janela embaciada, Dona Paula observa Maputo acordar lentamente enquanto mentalmente faz as contas que a perseguem: quanto pedir emprestado para comprar a mercadoria do atacadista, quanto cobrar aos clientes para não os afugentar, quanto sobra para sustentar os três filhos e ainda pagar os juros que, até há poucos meses, pareciam um peso impossível de carregar.

Antes era difícil, muito difícil, explica ela, ajeitando as primeiras caixas de tomate na sua banca. “Os empréstimos que pedia ao senhor João eram caros. Às vezes, o que eu ganhava numa semana, metade ia para pagar os juros.” Dona Paula não conhece as complexidades da política monetária, mas sabe o preço do dinheiro na carne. Sabe que quando o crédito é caro, as margens de lucro minguam como tomate deixado ao sol.

O dia que a Matemática mudou

Foi numa segunda-feira, 30 de Maio de 2025, que algo mudou na vida de Dona Paula, embora ela só percebesse semanas depois. Nesse dia, os directores do Banco de Moçambique reuniram-se e decidiram baixar uma taxa muito importante, a taxa MIMO, de 11,75% para 11,00%.

Mas o que é esta tal taxa MIMO? É o preço que o Banco de Moçambique cobra quando empresta dinheiro aos bancos comerciais. Quando esta taxa baixa, os bancos conseguem pedir dinheiro emprestado mais barato. E quando os bancos pagam menos para pedir emprestado, também podem emprestar mais barato aos seus clientes.

Para Dona Paula, essas percentagens eram números distantes. O que ela notou foi que o senhor João, que empresta dinheiro aos comerciantes do mercado, começou a cobrar juros menores. “Um dia ele chegou e disse: ‘Paula, agora é menos. Os bancos estão a emprestar mais barato’”, recorda ela, sorrindo pela primeira vez na conversa.

É assim que funciona: quando o Banco de Moçambique baixa a taxa MIMO é como se estivesse a abrir uma torneira. O dinheiro fica mais barato, primeiro nos bancos grandes, depois nos bancos pequenos, depois nas instituições de microcrédito, e finalmente chega ao senhor João e a outros que emprestam dinheiro no mercado.

A economia explicada entre caixas de tomate

A Dona Paula nesse dia fez empréstimos a mais barato e conseguiu comprar mais caixas de tomate para vender, toda sorridente, quando ela fala com a sua amiga Marlene:

“Sabe o que é que eu aprendi?”, pergunta Dona Paula, organizando os tomates por tamanho. “Quando o dinheiro fica mais barato para uns, fica mais barato para outros também. É como quando chove: a água não cai só numa casa, cai em todas.”

Esta observação simples de Dona Paula explica algo que os economistas chamam “efeito dominó” da política monetária. Quando o Banco de Moçambique baixa a taxa MIMO, é como se empurrasse a primeira peça de um dominó: o efeito vai passando de banco em banco, de emprestador em emprestador, até chegar aos pequenos comerciantes como ela.

Vamos simplificar ainda mais: imagine que o dinheiro é como água. Quando o Banco de Moçambique “abre mais a torneira” (baixa a taxa MIMO), há mais água (dinheiro) a circular, e esta água chega a mais lugares. Para famílias como a de Dona Paula isso significa que há mais dinheiro na economia, os preços ficam mais estáveis, e as pessoas têm mais facilidade para comprar o que precisam.

Entre a esperança e a prudência

Mas Dona Paula não é ingénua. “Está mais fácil, sim, mas ainda temos contas”, diz ela, adoptando um tom mais reservado. “Os meus filhos estão na escola, a renda da casa subiu, e há sempre alguma coisa que se estraga e precisa de arranjar.”

A sua percepção é realista: mesmo quando o governo e o Banco de Moçambique fazem políticas para melhorar a economia, os problemas do dia-a-dia não desaparecem de um momento para o outro. Baixar a taxa MIMO ajuda, mas não resolve tudo. As famílias ainda enfrentam desafios como o custo alto da educação, habitação cara, e os imprevistos da vida.

“Não posso planear muito longe”, admite ela. “Planeio para a semana, às vezes para o mês. Mas já não acordo de madrugada a pensar se vou conseguir pagar o empréstimo.” E esta pequena mudança de dormir melhor à noite pode parecer pouca coisa, mas representa muito na vida de quem luta todos os dias para sustentar a família.

Tomate como esperança

Ao final da tarde, quando as últimas caixas de tomate estão quase vazias, Dona Paula faz o balanço do dia. “Hoje foi bom. Vendi tudo, os clientes estavam satisfeitos, e ainda sobrou alguma coisa para amanhã.”

Guarda cuidadosamente o dinheiro numa pequena bolsa de pano, separando o que é para o novo stock, o que é para as despesas familiares e o que é para pagar o empréstimo. “Sabe qual é a diferença agora?”, pergunta ela, fechando a banca. “Antes, eu tinha medo de pedir emprestado. Agora, tenho esperança de conseguir pagar.”

Dona Paula não sabe que é uma peça crucial no mecanismo de transmissão da política monetária moçambicana. Não sabe que a sua capacidade de comprar mais tomate, vender a preços competitivos e manter clientes satisfeitos é parte de uma estratégia nacional de estímulo económico. Mas sabe que quando o dinheiro circula melhor, todos ganham um pouco mais.

“O tomate não mentir”, diz ela, caminhando em direcção à paragem de chapa. “Se o povo tem dinheiro, compra. Se não tem, não compra. É simples assim.” E nessa simplicidade reside toda a sabedoria de uma economia que funciona quando as políticas públicas conseguem tocar o chão onde vivem pessoas como Dona Paula.

No chapa lotado de regresso a casa, ela sorri discretamente, calculando mentalmente a encomenda de amanhã. Três caixas de tomate, talvez quatro. A esperança, como o tomate, é uma questão de tempo e de condições favoráveis.

Referências Bibliográficas

1. Banco de Moçambique. (30 de Maio de 2025). Comunicado do Comité de Política Monetária: Redução da Taxa MIMO para 11,00%*. Maputo: BdM. 2. Lusa. (30 de Maio de 2025).”Banco central de Moçambique volta a cortar taxa de juro directora que passa a 11%”. SAPO Notícias 3. Notícias ao Minuto (Junho de 2025). “Banco de Moçambique prevê inflação a desacelerar nos próximos meses”. 4. Trading Economics (2025). Moçambique – Taxa de Inflação: Dados Históricos e Previsões.

Edson Manuel

Edson Manuel é um jovem economista moçambicano, formado em Economia e Gestão pela Universidade Católica de Moçambique, onde se destacou como um dos melhores alunos. Foi vencedor das Olimpíadas Académicas UCM – Maputo e destacou-se quando conquistou o segundo lugar na primeira edição do Music Hackathon, organizado pela Fundação Ágape e pelo Ministério da Cultura e Turismo. Actualmente, é pesquisador económico e tornou-se uma das vozes mais influentes da economia no LinkedIn a nível nacional, onde suas análises geram alto engajamento e ampla repercussão.

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